12 Mar, 2020

CORAÇÃO DE NOIVA – O que há para amar em um casamento

Ela acendeu a luz da cabeceira, um pouco confusa, olhos entreabertos. De forma alguma conseguia esquecer que dia era hoje. Era o dia. O Grande Dia – e essa era a razão de estar acordada.

Sentada na cama, passou os olhos pelas paredes brancas até a escrivaninha. Os livros da faculdade ainda estavam ali, ainda não encaixotados. Mais uma coisa para resolver depois que voltasse de viagem. Era esquisito pensar que a partir de hoje, aquela não seria mais a sua casa, embora, de verdade, nunca fosse deixar de ser.

Calçou suas sandálias e finalmente conseguiu se levantar. O celular piscava da escrivaninha e ela sabia que eram mensagens que não tinha conseguido ler da noite anterior. Parecia que nunca tinha tempo para nada. Os últimos três meses tinham sido tomados pelos preparativos daquele dia e divididos entre o trabalho, a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, a família e o noivo. Sendo sincera, nem tanto para o noivo.

Confusa e um pouco tonta, se levantou da cama e caminhou até o banheiro. Olhou-se no espelho… Estava estranha. Era a palavra que mais tinha vindo à sua mente quando se olhava no espelho ultimamente. Estranha. E definitivamente não era assim que tinha sonhado se sentir. Não mesmo.

Ela tinha sonhado um dia encantador, em que ela estivesse encantadoramente deslumbrante, cheia de positividade para compartilhar… um monte de alegria para dividir. Mas tudo tinha se tornado uma bola confusa de compromissos, reuniões, tarefas e intermináveis preocupações. Como ela poderia estar bem hoje? Como poderia estar tranquila? Como poderia não estar estranha?

A palavra estranha ecoava na mente, enquanto ela lavava o rosto. Ainda era madrugada e as bolsas nos olhos não mentiam: não havia dormido nada aquela noite. Mas era preciso levantar… Afinal, que horas eram mesmo? Voltou ao quarto e conferiu no celular: 4h30. Ela só precisava se levantar dali a três horas, mas a ansiedade tinha ocupado a cadeira do sono e era impossível dormir assim.

Ele não sabia do que estava falando… o que iria dizer se visse essa moça desgrenhada, com uma olheira gigante, chorando enquanto ria e rindo enquanto chorava?

Lembrou de uma época em que a avó a colocava para dormir. Ela se sentava numa cadeira junto à cama enquanto cantava uma canção. Depois levantava da cadeira e dava boa noite com um beijo. Sempre deixava o quarto dizendo que agora ela podia dormir, porque o sono iria ocupar sua cadeira. E era fácil dormir naquela época… Agora, a cadeira ainda estava no quarto. Mas a vovó não.

Passou pela cadeira da vovó e, de novo, se sentou na cama. Ela mal tinha percebido, fazia pouco sentido, mas estava chorando. E, por dentro, mal sabia o porquê das lágrimas. E assim era difícil, muito mais difícil resolver a situação. Escolheu se deixar chorar… também porque não tinha opção.

Parecia que cada lágrima puxava umas outras três e, no meio do turbilhão de pensamentos – as caixas da mudança, as mensagens no celular, a nova vida que iria começar, a ausência da vovó naquele dia tão especial, as olheiras – ela começou a rir… Riu porque se lembrou do noivo e do que ele havia dito no dia anterior: “eu me casaria com você, mesmo que você estivesse feia. Mesmo que você estivesse doida. Mesmo que eu estivesse doido.”. Ele não sabia do que estava falando… o que iria dizer se visse essa moça desgrenhada, com uma olheira gigante, chorando enquanto ria e rindo enquanto chorava?

Ele a amava. E ela também o amava. Desde aquele dia em que ela sentiu o coração arder um pouquinho quando ele disse que ia viajar por dois meses para fazer um intercâmbio, ela soube: amava esse cara, para a vida toda. Quando ele a pediu em casamento exatamente um ano depois e explicou o porquê, ela teve certeza. Ele também tinha sentido o coração arder… foram feitos um para o outro.

Aos poucos, ela sentiu que só tinha ficado o sorriso e as lágrimas tinham parado. O coração se acalmou. Talvez devesse dormir agora. Ela se deitou e se cobriu. Apagou a luz da cabeceira e quase que imediatamente acendeu de novo. Aquele telefone piscando não a deixaria dormir. Se esticou na cama para alcança-lo na escrivaninha. Clicou sobre a notificação das mensagens e, para a sua surpresa, leu:

“Amor, passou da meia noite, chegou nosso grande dia. Você deve estar dormindo, porque sei que é mais calma que eu… Mas eu fiquei pensando e os meus pensamentos estão embaralhados, sei lá. Vai que não está… rs Eu estou me sentindo tão estranho, linda. A única coisa que acalmou meu coração foi pensar em quando meu coração ardia quando pensei que iria ficar longe de você. Por isso decidi mandar essa mensagem pra te dizer que te amo. E que, apesar de eu estar estranho hoje… estou ansioso para viver não só esse dia com você. Vamos estar por perto um para o outro para sempre. Orei por nós dois. Bjo”

Ela sorriu de novo, imaginou como seria dormir todo dia no colo do amor da vida dela. Pensou que toda noiva era doida. Mas que, finalmente, tudo aquilo iria acabar… mas que também era só o início. Tudo parecia uma loucura, mas havia alguém com ela. Alguém por ela. Havia ALGUÉM para amar no casamento, mesmo que as COISAS desandassem. Ela sorriu. E dormiu também.

Camila

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